Regenerar para avançar... o futuro do campo reside na inovação social e ecológica. Por Samuel Delesque (Traditional Dream Factory/TDF)

Neste verão, a Península Ibérica voltou a arder. Centenas de milhares de hectares arderam, aldeias foram evacuadas e um custo humano e económico que se repete ano após ano. Só em Espanha, os incêndios florestais consumiram mais de 380.000 hectares até 2025, com perdas na ordem dos milhões e um impacto devastador na biodiversidade. Todos os verões nos lembram a mesma coisa: o modelo atual não funciona. Continuar a depender das monoculturas e do abandono rural continua a alimentar o fogo. A questão é clara: como podemos reduzir a intensidade e a frequência dos incêndios e, ao mesmo tempo, devolver a vida e as oportunidades ao campo? A resposta reside numa palavra: regeneração.
Durante décadas, a Península Ibérica tem se apoiado em modelos florestais e agrícolas que maximizam a produção a curto prazo: monoculturas contínuas, espécies exóticas como o eucalipto, a maioria das quais plantadas em grande parte da península, e solos cada vez mais degradados. O resultado é uma paisagem inflamável, com fornecimento contínuo de combustível e baixa umidade.
Quando as ondas de calor chegam, os incêndios encontram estradas verdes. Este modelo não é apenas perigoso, mas também economicamente frágil: Portugal, por exemplo, importa mais de 5,2 mil milhões de euros em alimentos por ano. Dependemos de fontes estrangeiras para obter alimentos e, ao mesmo tempo, o nosso próprio território continua altamente vulnerável a incêndios.
Agrofloresta regenerativa como alternativaUma alternativa existe e já está sendo implementada: a agrofloresta regenerativa. Esses sistemas combinam árvores, culturas e pastagens em mosaicos produtivos, intercalados com infraestrutura de retenção de água, como lagoas, terraços e valas de infiltração. Esses projetos não apenas produzem alimentos e empregos locais, mas também interrompem a continuidade do fornecimento de combustível e aumentam a umidade do solo, tornando os incêndios mais lentos e controláveis.
Em Portugal, a agrofloresta sintrópica, inspirada por Ernst Götsch, provou ser capaz de transformar campos secos em ecossistemas resilientes. Plantios densos, podas estratégicas e sucessão planejada criam sistemas autossustentáveis que restauram a fertilidade do solo.
Regeneração não se trata apenas de plantar árvores: trata-se de redesenhar a terra para produzir alimentos, reter água e gerar empregos. A agrofloresta diversifica a renda por meio do cultivo de culturas como óleo, nozes, pastagens e mel, e cria paisagens mais seguras. Isso cria um mosaico produtivo capaz de conter a propagação de incêndios, enquanto a cobertura vegetal e as estruturas de retenção aumentam a umidade do solo.
Assim, a prevenção torna-se um investimento com retorno económico, social e ecológico. Segundo os nossos próprios cálculos, a conversão de 50% das florestas de eucalipto em sistemas agroflorestais poderia aumentar o PIB de Portugal em 3% e criar até 43.000 empregos, além de reduzir drasticamente o risco de incêndios. Não estamos a falar apenas de ecologia: estamos a falar de economia, soberania alimentar e resiliência climática.
No entanto, enquanto trabalhamos na regeneração, precisamos conviver com o fogo. Isso envolve a criação de aceiros produtivos, pastoreio direcionado, queimadas de inverno prescritas e pontos estratégicos de água. As mesmas obras que reidratam a paisagem servem para conter incêndios e abastecer equipes de combate a incêndios. Não se trata apenas de apagar incêndios, mas de redesenhar a paisagem para que queime menos e se recupere mais rapidamente. Um simples sistema de lagoas e valas de infiltração pode mudar tudo: mais água disponível, mais biodiversidade e menos riscos. Essas soluções podem ser replicadas em toda a Península.
Portugal fez avanços importantes desde 2017: novas regulamentações para plantações, mosaicos-piloto e reconhecimento da agrofloresta na PAC. A Espanha está progredindo na Galiza com a redução das plantações de eucalipto e a restauração de montados. Mas o passo essencial permanece: ampliar essas medidas. Concluir o cadastro, organizar a propriedade fragmentada, simplificar as licenças e redirecionar os incentivos para sistemas mistos que devolvam a vida ao solo e valor às comunidades. Os desafios são reais: fragmentação da propriedade, falta de capital, burocracia, escassez de mão de obra e resistência cultural.
Ampliar a regeneração como estratégia nacionalComo superar esses desafios? Com um cadastro abrangente e bancos de terras para agrupar lotes; com financiamento híbrido que combina a PAC, créditos de carbono e água e investimento de impacto; com licenças simplificadas e monitoramento digital para reduzir a burocracia; com treinamento em massa em agrofloresta e pagamento por serviços ecossistêmicos; e com narrativas positivas que transformem a regeneração em orgulho coletivo.
A regeneração não é um evento; é um processo. Muitos sistemas sintrópicos atingem um metabolismo "semelhante ao de uma floresta" em 10 a 12 anos, mas os primeiros resultados seriam vistos mais cedo: em três a sete anos, a paisagem mudaria visivelmente e, em uma década, a resiliência seria profunda. Enquanto isso, precisamos combinar a regeneração com a prevenção ativa para reduzir os riscos.
Escolhendo entre o fogo ou o futuro regenerativoA alternativa é clara: paisagens vivas, diversas e produtivas que nos protejam e nos alimentem. Como sociedade, devemos escolher entre continuar a pagar o custo do fogo ou investir num futuro regenerativo. Isto não é uma utopia: é a única estratégia sensata para um futuro habitável na Península Ibérica.
Green Opinion Makers #CDO é um blog coletivo coordenado por Arturo Larena , diretor da EFEverde
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