Alvor: Pescalgarve desenvolve aquacultura inovadora que junta macroalgas, douradas e pepinos-do-mar

Junto à Ria de Alvor, a Piscicultura do Vale da Lama quer tornar-se a primeira em Portugal a criar douradas e robalos em conjunto com o cultivo de macroalgas, como a alface-do-mar (Ulva lactuca), e pepinos-do-mar (Holothuroidea) — organismos invertebrados que filtram o sedimento e melhoram a qualidade da água, reduzindo o impacto ambiental da produção.
Este objetivo está na base do projeto AQUADIVERSIFY – Diversificação e Produção Sustentável em Aquacultura Multitrófica Integrada (IMTA), liderado pela Pescalgarve em consórcio com a Associação Oceano Verde – Laboratório Colaborativo para o Desenvolvimento de Tecnologias e Produtos Verdes do Oceano (GreenColab), o Centro de Ciências do Mar (CCMAR)da Universidade do Algarve e o MARE – Politécnico de Leiria.
O projeto, inédito em Portugal, irá testar a combinação destes três níveis tróficos em ambiente de piscicultura tradicional.
Com duração de 36 meses e orçamento de 1,4 milhões de euros, é cofinanciado pelo COMPETE 2030, pelos programas regionais Centro 2030 e Algarve 2030, e pela União Europeia.
A Aquacultura multitrófica é o cultivo simultâneo de espécies de níveis alimentares diferentes no mesmo sistema, no qual, os resíduos de uns servem de alimento ou nutriente para os outros, fechando o ciclo e tornando a produção mais sustentável. A espécie nativa Holothuria arguinensis é uma das protagonistas.
João Sousa, aluno de doutoramento na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa está a trabalhar numa tese que pretende «desenvolver uma produção circular que, simultaneamente, diversifica e melhora a qualidade dos produtos que põe no mercado» e sobretudo, mostrar «a viabilidade da produção de equinodermes com elevado valor económico».
Interessou-se pelos pepinos-do-mar devido «às suas competências, capacidades ecológicas, potencial económico, e, acima de tudo, o seu potencial ecológico como biorremediadores». Um colega investigador gosta os descrever como «aspiradores do mar».
Explicado de forma simples, espécies como a nativa Holothuria arguinensis, uma das principais envolvidas no projeto, aspiram os fundos, «digerem a matéria orgânica contida no sedimento, e a areia que expelem sai mais limpinha do quando entrou. Este é o seu papel, a sua função nos habitats. São excelentes organismos para reduzir a acidificação dos meios em que se encontram».
O projeto aproveita muito conhecimento académico que já foi publicado e para já, as conclusões preliminares já são positivas. Um pequeno tanque serve de ensaio daquilo que se pretende atingir no futuro em larga escala.
Outra frente de investigação centra-se no microbioma como mecanismo para reforçar a sobrevivência de juvenis e acelerar o crescimento das macroalgas, elevando ainda mais a eficiência do sistema a implementar.
Por outro lado, «as macroalgas conseguem mitigar o consumo de oxigênio das outras espécies, porque são elas próprias também produtores. Daí a grande importância de termos, pelo menos, estes três níveis alimentares diferentes».
Uma das dificuldades apontadas por João Sousa é o tempo que os pepinos-do-mar demoram a atingir a maturidade. Para comparar qual o contexto mais favorável, está a ser testado o crescimento em ambiente isolado e em conjunto com outras espécies.
«No Laboratório Cetemares, uma das dificuldades que tínhamos era seu o crescimento específico (Specific Growth Rate), determinado em percentagem de peso adquirido por dia. Encontrámos sempre um limite de crescimento com a alimentação que lhe fornecíamos, fossem microalgas ou macroalga triturada. E o que observamos aqui, na piscicultura, é que o sedimento enriquecido com a matéria orgânica dos peixes, literalmente o lixo produzido por uma espécie, é um tesouro para outras», descreve.
Aqui «estamos a fazer desovas desde 2019. Em monocultivos, demorariam seis anos a alcançar o tamanho que já obtemos em dois anos num contexto multitrófico».
Ou seja, «são só benesses. Crescem melhor e mais acelerados se tiverem num ambiente biodiverso e ainda melhoram a qualidade da água para os outros organismos. A custo praticamente zero pois não temos de dar ração a estes animais».
Apreciados como produto gourmet nas tradições asiáticas, com grande valor económico, os pepinos-do-mar têm sido alvo de grandes capturas na costa portuguesa.
«E isso não é nada sustentável. Portanto, queremos saber conciliar o valor económico desta espécie, com o valor seu ecológico, para podermos fazer, então, uma produção e um consumo sustentável destes organismos», sublinha o doutorando.
«Temos sempre o fator tempo para atravessar e para lá caminhamos, mas, com as condições que a piscicultura consegue fornecer a estes animais, mitiga-se imenso todos os custos de produção para os equinodermes. Melhora-se a qualidade da água dos peixes e as algas complementam toda a biorremediação que os tanques de cultivo exigem, para que não haja grande acumulação de compostos acidados, nem uma redução de oxigénio» que são os parâmetros principais desta atividade.
E podem vir a tornar-se uma fonte de rendimento extra e complementar à própria atividade da piscicultura.
«Os produtores olham para o tempo de crescimento dos pepinos do mar e acham que o investimento vai demorar muito tempo a ter retorno. Acredito que vale a pena fazer, trabalhar, desafiar. Estes organismos têm uma enorme importância ecológica. Fazem mais falta no meio natural do que no prato. Mas sabendo que a procura para consumo humano não se irá reduzir no futuro próximo, compete-nos a nós, como produtores, na aquacultura, arranjar uma forma de os produzir, de modo que a pressão económica não incida demasiado no meio natural», como tem vindo a acontecer.
Já em relação a um futuro repovoamento do meio natural, João Sousa mostra-se mais prudente.
«Isso incide em todo um outro estudo de genética. Temos de avaliar para garantir que qualquer organismo que quisermos reintroduzir no meio natural não carregue consigo um enviesamento no genoma das populações naturais» nem pôr em causa esse património, alerta.
António Vieira, biólogo e fundador da Pescalgarve, gere desde 1989 esta aquacultura com 7,5 hectares e uma produção anual de cerca de 120 toneladas de dourada e robalo. Em Alvor, encontrou um ambiente atlântico com temperatura média entre os 18 ºC e os 20 ºC, ideal para o cultivo destas espécies.
Com o projeto AQUADIVERSIFY, «queremos ter um sistema integrado na piscicultura, pôr florestas marinhas no fundo, como um aquário natural, em vez de termos só lama, e captar muito mais biodiversidade» que aliás, abunda ao redor.
«Temos dezenas de espécies locais, desde Ophiuroidea, estrelas de mar muito específicas, vários gastrópodes, poliquetas e crustáceos» que podem vir a habitar lado a lado com as douradas e robalos.
«As fezes dos peixes, a amónia e a urina depositam-se na areia, no microbiota, enriquecem-na em matéria orgânica e tornam-na nutritiva para outros organismos», explica.
«Temos aqui algas que são muito resilientes, em cultura de forma natural, assim como várias espécies de poliquetas, de minhocas, anelídeos, e queremos integrar tudo isso na produção. De alguma maneira, é uma ideia inovadora», sublinha.
Esta piscicultura é uma piscicultura moderna que funciona com sistemas automatizados. Tem dois tanques para pré-engorda, onde os juvenis — importados de França, Espanha ou Itália — crescem dos 5 aos 50 gramas. A pesca faz-se duas vezes por semana e o pescado destina-se ao mercado nacional e espanhol. Também serão utilizados no âmbito deste projeto, para os pepinos-do-mar crescerem abrigado da luz solar.
A pesca é realizada duas vezes por semana, à segunda e quinta-feira, por rotina. O pescado vai para o mercado nacional e também para Espanha. «Estamos cá há 36 anos. Somos uma empresa familiar que conta a toda a história da aquacultura de peixe no Algarve», afirma.
Vieira garante que o peixe criado na Ria de Alvor «tem um nome nacional. Como é criado em temperaturas mais baixas, tem uma carne mais rija, não é aquela que se desfaz. E uma parte da sua alimentação é natural».
O controlo de qualidade também é rigoroso. «Todas as semanas fazemos controlo de ecto e endoparasitas branqueais da pele, da boca, do intestino. Fazemos citologia, histologia e estudo da microbiologia. Temos empresas certificadas que nos fazem análises da água a 14 parâmetros» diferentes.
Mas nem tudo é negócio nem é essa a sua motivação. «Como venho da área de investigação, tenho uma sensibilidade diferente. Acho que é importante continuar a apostar na inovação para a saúde e bem-estar dos animais, para a preservação da biodiversidade e sobretudo, para nos tornarmos mais sustentáveis», conclui.
Barlavento