Conhecimento ancestral, proteção ambiental e ciência

Estamos localizados nas montanhas da Serra de Aracena e dos Picos de Aroche, no município da famosa e bela cidade de Jabugo. Nesta paisagem privilegiada do sudoeste da Península Ibérica, onde azinheiras e sobreiros formam um mosaico ecológico único, o porco ibérico geneticamente puro, um tesouro pecuário espanhol, é criado em liberdade. Esta serra não é pouca coisa; faz parte da Reserva da Biosfera das Dehesas de Sierra Morena, e seu estado de conservação é excepcional; isso é imediatamente perceptível ao percorrer estradas e caminhos onde a variedade botânica é impressionante. Apesar de seu caráter altamente humanizado, isso é mais uma vantagem do que um problema, pois o respeito pelos usos tradicionais, pela terra e pela biodiversidade resultou em um espaço natural bem cuidado, produtivo e sustentável, com um presente brilhante e um futuro muito promissor.
Esta serra caracteriza-se pela sua extraordinária biodiversidade, com elevada presença de espécies endémicas e uma rede diversificada de ecossistemas que combina florestas ripícolas, soutos, montados de sobro e extensas pastagens com diferentes espécies de azinheira e até carvalho. A sua localização e orientação favorecem um padrão pluviométrico relativamente elevado na Andaluzia, com uma precipitação média anual entre 800 e 1200 mm, concentrada principalmente entre outubro e abril. Este equilíbrio hídrico é crucial para a recarga de aquíferos, a manutenção de nascentes e a produção natural de bolotas, a pedra angular do ecossistema de pastagens.
O estado de conservação deste ambiente é notável, graças, em parte, a um modelo agrícola tradicional e sustentável, baseado na compatibilidade entre uso e proteção ambiental. Práticas como pastoreio extensivo, cercas rotativas, poda regulada e respeito aos ciclos naturais mantêm o equilíbrio ecológico do montado há séculos. Este sistema agrossilvipastoril não só promove a biodiversidade, como também atua como sumidouro de carbono, fixa populações rurais e contribui para a prevenção de incêndios. Diante da ameaça das mudanças climáticas, a Serra de Aracena e os Picos de Aroche representam um exemplo vivo de como a integração da atividade humana e da conservação pode resultar em uma paisagem produtiva e resiliente.
No coração deste parque natural, entre antigos bosques de azinheiras, encontram-se fazendas como El Tejar, em Higuera de la Sierra. Lá, cerca de trinta leitões pastam livremente, sem serem incomodados pela nossa presença, em 70 hectares de pastagens vivas, diversificadas e cuidadosamente manejadas. "Todo movimento do gado é planejado", explica a bióloga e moradora da região María Castro Bermúdez-Coronel, diretora de comunicação da Osborne. "Aqui, nada é aleatório: nós decidimos quando os animais se movem, em que área pastam, quando são anilhados para evitar que perturbem o solo... O manejo é absolutamente meticuloso."
"A dehesa é um modelo de desenvolvimento sustentável porque combina usos agrícolas, florestais e de caça com a conservação da biodiversidade", explica Castro, enquanto percorremos a propriedade. Aqui, as parcelas são geridas com precisão para garantir o bem-estar animal, a regeneração vegetal e o equilíbrio ambiental. Não se trata apenas de produzir o melhor presunto do mundo, mas também de preservar o ecossistema que o torna possível: "Aqui há conhecimento tradicional, mas também ciência e compromisso. A dehesa não é protegida do exterior: é protegida por viver nela, cuidar dela e adaptá-la sem perder sua essência."
Cada ação tem uma lógica ecológica. "Ao reduzir a camada de árvores, a luz solar no solo aumenta e, com ela, a produção de frutos. As árvores não competem entre si por luz, então produzem mais bolotas. Mas não são apenas os porcos que as comem: veados, gaios e outros animais selvagens também", explica. Especificamente, a atividade do gaio — uma ave pouco conhecida, mas crucial — surpreende pelo seu impacto positivo: "Ele age como um esquilo. Coleta bolotas e as enterra para armazenamento e, embora sua memória seja prodigiosa, muitas vezes esquece muitas. Graças a essa ação espontânea e natural, por exemplo, as fazendas estão repletas de novas azinheiras e sobreiros: é uma plantação constante e natural. Reflorestamento sem intervenção humana."
A criação extensiva, com mais de dois hectares por animal — bem acima dos padrões legais exigidos pelas DOP — permite que os porcos se alimentem de bolotas, cogumelos, frutos silvestres, ervas e raízes, contribuindo para a regeneração do montado. Eles dispersam sementes, arejam o solo e controlam o mato, promovendo o equilíbrio ecológico. "O montado é vivo porque é habitado, fertilizado naturalmente e trabalhado", enfatiza Castro. "Sem pastoreio, sem poda, sem manejo ativo, esta seria uma área com alto risco de incêndios devido ao acúmulo de combustível. E também deixaria de ser uma fonte de riqueza."
Para a lendária marca Cinco Jotas, de propriedade da Osborne, a conservação genética tornou-se uma prioridade estratégica: garante 100% da raça ibérica nos seus produtos. A rastreabilidade de cada exemplar é assegurada e preserva-se um património animal único, com uma capacidade excecional de adaptação à vida selvagem. "Na década de 1960, a raça ibérica estava à beira da extinção", recorda Luis González, diretor de operações da Osborne e gerente da fábrica de Jabugo. "Procuramos animais que se assemelhem aos do passado: baixo rendimento de carne, alta qualidade, alto teor de ácido oleico e gordura infiltrada. Mas também devem suportar os verões de oito meses que vivemos agora. As alterações climáticas obrigam-nos a adaptar-nos, e é por isso que baseamos a nossa estratégia na sustentabilidade ambiental, no respeito pela biodiversidade e na preservação de um estilo de vida rural ativo e equilibrado." González afirma que a chave reside numa filosofia simples: "Isto é como a comida da avó: presunto cozinhado lentamente, em lume brando, fica totalmente diferente do que se o cozinharmos rapidamente." O consumidor percebe. Quem experimenta a bolota, fica.
Um dos maiores desafios é justamente o impacto das mudanças climáticas na dehesa. A seca, causada por um pseudofungo, está dizimando milhares de azinheiras. "Chamamos isso de seca porque, quando o lençol freático baixa, as árvores afetadas morrem muito rapidamente, embora os danos venham de antes, do inverno chuvoso", explica María Castro, visitando outra propriedade adjacente a El Tejar. Desde 2012, Osborne colabora com universidades e organizações para identificar árvores resistentes, desenvolver técnicas de clonagem in vitro e repovoar áreas afetadas. Tratamentos com cal e a instalação de caixas-ninho também foram testados para promover a avifauna, o que contribui para a saúde da floresta. "Nada é milagroso, mas tudo ajuda. O importante é agir com uma visão de longo prazo", diz Castro. "Primeiro, tentamos encontrar uma cura, mas no momento não existe nenhuma. Depois, começamos a identificar espécimes resistentes nas áreas afetadas. Algumas árvores sobreviveram onde todo o resto morreu, com uma resistência de 70%." A partir daí, desenvolvemos técnicas para obter mudas com essa capacidade de resistência e repovoar áreas danificadas."
"Os verões estão ficando mais longos, secos e rigorosos. Se a árvore não sobreviver ao verão, ela morre. E embora as chuvas de primavera tenham sido abundantes este ano, os períodos de seca estão se tornando mais frequentes", alerta María Castro. É importante lembrar que esta empresa cria porcos ibéricos não apenas na região de Aracena, mas também em pastagens e florestas de sobreiros em outras partes da Andaluzia e da Extremadura, onde a escassez de água é muito perceptível em muitos anos.
Neste ecossistema único, a coexistência com a vida selvagem é uma realidade diária. "Aqui não existem espécies invasoras problemáticas, embora ocasionalmente apareçam javalis ou raposas. E se o lince conseguir entrar, é ainda melhor, porque ajuda a controlar, por exemplo, mangustos e outros pequenos carnívoros nocivos", diz o agricultor Francisco José Rosillo (enquanto examinamos como o porco-ibérico coexiste com cavalos, cães e outros animais domésticos, mas que circulam livremente, no pasto). Os porcos são mantidos em pequenos rebanhos cercados, uma técnica tradicional de rotação de pastagens e cultivo de bolotas durante o período montanheiro, que evita a compactação do solo e permite o contato direto e diário com os animais.

El Tejar, uma pastagem de altitude com diferentes espécies de carvalho que produzem bolotas em diferentes épocas, estendendo assim a montañera, está localizada entre 700 e 780 metros acima do nível do mar e, como muitas outras na região, possui nascentes e piscinas. Parte da água é bombeada com painéis solares: "Isso reduz o impacto ambiental ao mínimo e é perfeitamente viável para o tipo de consumo de gado exigido pela fazenda", observa Rosillo. A gestão eficiente da água também se estende à fábrica de Jabugo, onde a Cinco Jotas implementou processos de redução e recuperação de recursos, como a reutilização do sal na cura dos presuntos, o que reduz o consumo de água. A fábrica possui sua própria estação de tratamento de águas residuais e, durante a estação seca, ela se torna o maior efluente de água limpa do Rio Múrtiga.
"Nosso modelo energético também é exemplar", afirma Luis González. Desde 2021, a fábrica produz 25% de sua energia com painéis solares e conta com um sistema de cogeração que reutiliza o calor para aquecer a água de limpeza. A meta é reduzir o consumo de eletricidade em 50% até 2026, em comparação com 2018. Somam-se a isso os materiais cerâmicos, que permitem a retenção da umidade e a estabilidade da temperatura sem necessidade de ar condicionado artificial. "Todas as nossas adegas são naturais. Não utilizamos ar condicionado nem bombas de calor", afirma o diretor.
O processo de cura do presunto nestas caves centenárias é puramente artesanal, utilizando apenas correntes de ar e humidade e temperatura controladas, assim como todo o processo de produção. Além disso, o Penicillium e outros fungos e leveduras que causam a cura dos presuntos e enchidos pertencem às mesmas estirpes que já existiam nas caves originais desta fábrica de Jabugo, o que confere ao produto propriedades organolépticas inimitáveis.
Esta usina histórica, símbolo de Jabugo, reabilitada com critérios de biosustentabilidade, aproveitando a luz solar e outras técnicas inspiradas em Soluções Baseadas na Natureza, emprega cerca de 270 trabalhadores permanentes e aumenta para mais de 700 durante os dois meses de campanha. Setenta por cento dos trabalhadores temporários retornam a cada ano. "A maioria são parentes dos funcionários permanentes. Isso gera estabilidade e renda adicional", diz González. Este município, com apenas 2.000 habitantes, mantém o pleno emprego graças a este modelo de produção vinculado à região. "Aqui não existe uma Espanha vazia: há trabalho, há pessoas, há futuro", afirma.
Na dimensão cultural, Jabugo e Aracena, assim como outras aldeias de montanha, integraram com sucesso o turismo sustentável, a expressão cultural e a educação ambiental em suas ofertas. "O turismo aqui é sobre caminhadas e natureza, mas acima de tudo, é sobre gastronomia. As pessoas vêm pela carne de porco, pelo chouriço, pelo sabor", observa María Castro. Rotas pelas dehesas, programas de conscientização ambiental e a promoção de produtos associados à DOP Jabugo são promovidos em colaboração com o Governo Regional da Andaluzia. A dehesa é entendida como uma paisagem cultural que precisa da humanidade para sobreviver. É uma relação simbiótica dentro da joia humanizada da floresta mediterrânea ibérica por excelência.
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