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Nova lei de áreas protegidas do Equador está sob análise por militarização e exclusão indígena.

Nova lei de áreas protegidas do Equador está sob análise por militarização e exclusão indígena.

Valeria López Peña

Madri (EFEverde).Quando Alex Lucitante era criança, o Rio Aguarico fluía limpo pela Amazônia equatoriana. Mas anos de concessões de mineração em zonas de amortecimento de áreas protegidas e uma nova lei que busca ordem e investimento turvaram essas águas, em meio a críticas por — segundo ambientalistas — permitir a militarização, a privatização clandestina e a exclusão de populações indígenas.

O governo equatoriano aprovou a Lei Orgânica para o Fortalecimento de Áreas Protegidas, que cria o Serviço Nacional de Áreas Protegidas (SNAP), entidade que administrará esses territórios de forma independente do Ministério do Meio Ambiente. Embora sua aprovação urgente tenha sido defendida por razões econômicas, a lei tem sido duramente criticada por organizações indígenas, ambientalistas e jurídicas, que alertam para lacunas legais e conflitos com direitos coletivos reconhecidos na Constituição.

Militarização em territórios indígenas, entre a proteção e a intimidação
Alex Lucitante com sua família na comunidade de A'i Cofán de Avie, que faz fronteira com a Reserva Cofán Bermejo, na Amazônia equatoriana. Foto: Mateo Goff / Amazon Frontlines. IMAGEM FORNECIDA

Uma das críticas à nova legislação é a sua militarização. Nas palavras de Lucitante, líder indígena A'i Cofán e defensor dos direitos humanos, "ela desconsidera tudo o que trabalhamos e lutamos ao longo de muitos anos". Para ele, a presença de forças armadas em áreas como Sinangoe não conseguiu coibir a mineração ilegal e, em vez disso, gerou maior tensão dentro das comunidades.

Lucitante está preocupado com o uso progressivo da força, já que eles frequentemente procuram grupos ilegais "olhando para nós como se fôssemos todos cúmplices, intimidando comunidades, saqueando casas, nos tratando como se fôssemos todos criminosos, quando protegemos o território por gerações", disse ele à EFEverde, lembrando a intensificação militar após a morte de 11 soldados em Orellana nas mãos de um grupo dissidente da guerrilha colombiana FARC em maio passado.

A província de Orellana é vizinha de Sucumbíos, lar da Reserva Cofán Bermejo. Lucitante entrou com uma ação judicial em 2018 para suspender 52 concessões de mineração na região. No entanto, o Ministério do Meio Ambiente se recusou a reconhecer a reivindicação por falta de título de propriedade coletiva, apesar de a comunidade ter um acordo de cogestão. Posteriormente, o Tribunal Constitucional anulou as concessões e reconheceu o título de Sinangoe, mas até o momento, ele não foi concedido.

Além dos laços ancestrais, um dos principais argumentos para decisões semelhantes tem sido a sobreposição entre territórios indígenas e áreas protegidas. Das 643 comunidades indígenas localizadas na Amazônia equatoriana, 402 se sobrepõem 100% a áreas protegidas , e até 480 comunidades possuem blocos de hidrocarbonetos em seus territórios, de acordo com a análise geoespacial da ManchadosXelPetróleo.

Equador aprova Lei de Áreas Protegidas, apesar da oposição de Correa e da rejeição dos povos indígenas.

Yasuní, os possíveis riscos da privatização

Outra fonte de preocupação é a possibilidade de privatização velada por meio de contratos de cogestão com atores privados . É o que aponta David Fajardo, membro do coletivo YASunidos. Ele teme que essa porta aberta possa facilitar mercados de carbono, usinas hidrelétricas e atividades extrativas em áreas protegidas, sem mecanismos adequados de consulta ou oposição.

"A Constituição proíbe a privatização, mas permite a exploração de recursos em áreas protegidas se o presidente declarar que é de interesse nacional e a Assembleia ratificar. Assim, a extração foi autorizada no Bloco 43 do Parque Nacional Yasuní entre 2013 e 2014", explicou Fajardo à EFEverde.

Em 2023, a YASunidos foi aprovada em um referendo no qual quase 60% do eleitorado votou pela suspensão da extração de petróleo no Bloco 43 , uma área que contém aproximadamente 20% das reservas do país. No entanto, dois anos antes da votação, ainda havia poços abertos, embora o plebiscito tivesse concedido um ano para a suspensão da extração.

O Ministro da Energia argumentou que um fechamento seguro exigiria mais tempo. Mas Fajardo afirma que as licenças ambientais não foram revogadas, nem a infraestrutura foi removida, o que, em sua opinião, reflete "falta de vontade política".

Embora a Constituição proíba a privatização de áreas naturais e exija estudos de impacto ambiental e consulta prévia, a linguagem ambígua da nova lei, segundo especialistas, abre portas para que privados com certos interesses influenciem a gestão das áreas protegidas.

Uma lei com brechas, uma luta histórica por território

No centro do debate está a reivindicação pela propriedade coletiva dos territórios ancestrais. "Mais do que propriedade, o que pedimos é segurança jurídica. A possibilidade de dizer: este é o nosso território, ninguém pode vir aqui sem nos consultar ou nos impor atividades extrativistas", explica José Acero, advogado da Amazon Frontlines, à EFEverde.

A lei, embora mencione o respeito ao Artigo 57 da Constituição (que reconhece direitos territoriais coletivos), não estabelece mecanismos claros para garantir a titularidade de propriedade às comunidades que vivem em áreas protegidas ou em seu entorno. Em vez disso, segundo a Acero, permanecem em vigor mecanismos como acordos de cogestão ou titulação individual, que não reconhecem a propriedade coletiva, a autonomia plena ou mecanismos de fiscalização.

"É difícil para uma comunidade indígena obter o título de um território onde já existem interesses econômicos ou concessões em andamento", diz Acero. Ele também ressalta que o Artigo 6º da lei permite a solicitação de apoio militar ou policial em casos de atividades ilegais, sem garantir a consulta prévia às comunidades, conforme exigido pela Constituição.

Diante dessa ambiguidade, a demanda por qualificações está ressurgindo. "Não se trata apenas de ter documentos, mas de ter certeza de que não é qualquer um que pode impor algo de fora", insiste Acero.

A lei aguarda a definição de sua regulamentação (como será implementada) e enfrenta três ações judiciais por inconstitucionalidade perante o Tribunal Constitucional, que recentemente suspendeu trechos de outras leis, como a Lei de Inteligência e a Lei de Solidariedade Nacional. O presidente Daniel Noboa criticou a decisão por "interferência de juízes na política governamental", como declarou durante um evento recente em Guayas.

Diante de um impasse judicial, Lucitante propõe diálogo: "Se o governo demonstrar boa-fé e comprometimento com os direitos humanos e ambientais, poderemos dialogar. Mas, se priorizarmos apenas os interesses econômicos, a degradação ambiental impedirá o turismo e o desenvolvimento." EFEverde

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